19 de dez. de 2012

Seis meses no Clube das Armas


Durante o ano em que morei no Alabama, estado do sul dos EUA, vi de perto o apreço que eles têm pelas armas. Uma coisa é ler no jornal a tal da história da Segunda Emenda, que garante aos cidadãos o direito de portar armas para autodefesa, outra é entender que elas fazem da vida das pessoas.

Antes que alguém ache que estou defendendo o uso de armas, já me adianto: sou contra. Talvez houvesse menos tiroteios em escolas e faculdades caso fosse mais dfícil comprar um AR-15, uma das armas preferidas dos traficantes brasileiros.

O que talvez os nossos jornais não entendam é que para uma parcela considerável dos americanos, possuir e portar armas é um direito tão enraizado e disseminado, que qualquer ameaça a ele é vista como uma interferência inaceitável - e aqui entra também a famosa repulsa a governos que se metam demais na vida dos cidadãos, mas isso fica para outro texto.

Na minha pequena cidade, Dothan, muitos pais de família têm uma pistola ou espingarda guardada no armário, para o caso de alguém invadir sua propriedade. Caçar é um hábito comum. Pais levam filhos, amigos se reúnem para atirar em perus e cervos (os famigerados veados). É tão natural quanto o futebol de terça por aqui. A partir do momento em que se pode manusear uma arma, o jovem rapaz alabamense já aprende a atirar, compra peças de roupa camufladas e acompanha os mais velhos em caçadas. Claro, de uma maneira geral.

Não admira que vários de meus ex-colegas de escola tenham passado pelo exército. Alguns foram para o Iraque e Afeganistão. Maridos de ex-colegas de sala ainda estão por lá. Existem uma cultura antiga ligada às armas e à belicosidade, isso desde os tempos mais remotos. Os EUA já passaram por uma sangrenta Guerra Civil, não nos esqueçamos.

Eu nunca atirei, nunca tive interesse em armas, guerras ou brigas, mas quando vi as opções de clubes que a escola oferecia, não tive muita dúvida ao me inscrever no "Gun Club". O clube de espanhol, o de francês e de política eram pouco atraentes naquele contexto. Um mal-elaborado sentimento etnográfico tomou conta de mim e passei a me reunir com meus colegas fanáticos por caça e fuzis para assistir a animais sendo mortos a tiros (em vídeo) e participar de discussões sobre a tal da Segunda Emenda.

O professor responsável pelo clube era ex-militar, lutou na Guerra da Coréia e desfilava pela cidade de uniforme todo Dia do Veterano. Cogitou-se uma viagem de caça. Acabou não acontecendo, infelizmente. Mesmo que eu pudesse atirar (algo proibido pelas regras do intercâmbio, de qualquer jeito), acho que não me arriscaria. Suficiente seria participar como espectador e talvez entender um pouco melhor o porquê de tanto gosto pelas armas.

Obama está comprando uma briga muito grande ao tentar colocar restrições à compra de armas. A questão não é só de gosto. Perder o direito de se proteger, conforme acreditam os defensores da Segunda Emenda, é ir em direção à tirania. Política se mistura à cultura, ao hábito e a um modo de vida que está muito distante de Washington e Nova York. E não são poucos os dispostos a lutar pelo seu direito às armas. De longe, a resposta parece muito óbvia, mas o vespeiro é barulhento quando se chega perto.




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