4 de ago. de 2009

Namorada Roubada

Parece que a vida acontece na Paulista. Isso, a avenida. Muita gente se amontoa ali, seja pelo prazer de estar na 5ª Avenida brasileira, seja para fugir para o anel exterior de São Paulo. Não vou cair na tentação de fazer a famosa piada que diz que a vida (assim com a Paulista) começa no Paraíso e termina na Consolação). As duas (a vida e a Paulista) são o meio do caminho entre essas coisas. Já estive em todas as possibilidades de gradação entre céu e inferno na Paulista.

Mais uma vez no ônibus, em estado de alfa. É o único jeito de lidar com tanta proximidade enclausurada no meio de mais enclausuramento, dentro de veias sufocantes que desembocam em canais asfixiantes. Normalmente funciona muito bem entrar em processo de metabolismo basal e virar parte dos bancos e balaústres. Uma caixa de chapéu e uma jaqueta roxa não deixaram.

Antes de o carro esvaziar, ela já carregava a caixa, uma mochila e uma bolsa, em pé. Alheia, ou quase, como todos, mas agitada. Respirava forte e tinha cara de cansada. Devia estar querendo chegar logo, talvez não aguentasse mais aquele peso todo, talvez tivesse passado o dia inteiro fora de casa. Já ná Teodoro Sampaio eu não podia mais tirar os olhos de seu rosto.

De repente, a iminência da lotação virou corrida pela escada de três degraus; assentos ficaram vazios. Ela em pé. A caixa na mão direita, a mochila no ombro esquerdo, a bolsa atravessando os ombros e a jaqueta roxa. Pernas que não paravam no lugar. Logo à sua frente havia onde sentar. Ninguém mais estava em pé, eu via a cena mais perto do chão. Olhos cansados aqueles. O cabelo também não estava nos seus dias mais brilhantes, mais brilhosos. Mãos grandes e finas que seguravam o poste amarelo. Aquelas mãos não lixavam nada, macias e sem cor.

Nem suas pernas cansadas e aceleradas, nem a mochila que parecia pesar dez quilos. Foi para o lugar da bunda a caixa de chapéu. Preta, grande. Olhei com mais atenção para a face. Cansada, de fato, mas forte. Lábios grossos, nariz grande. Uma leve arrumada no cabelo. Fabiana, disse em voz baixa. Estuda artes e vai virar personagem de livro.

Passa o Masp, passa a galeria da sonegação de impostos, levanto-me e rezo para que Fabiana não tenha namorado. Suas pernas mexendo, se esticando, contraindo sua pressa. Lado a lado. Vou tomar um café com ela. Saber que leva um chapéu, é artista e atriz, está cansada, mas até que se sente bonita.

Um solavanco é a pista para que eu desça. Estava esperando Fabiana dizer "prazer, sou sua namorada". Que frio fazia na Paulista naquela noite. Fabiana passou seus olhos pelas minhas costas e deixou a caixa de chapéu sentada no banco do ônibus. Acendi um cigarro, guardei Fabiana e dei corda no despertador.

2 comentários:

Thomás disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Thomás disse...

I approve of this, rs

gostei