2 de jan. de 2012

HIstórias com som e fúria


Todas as histórias do mundo já foram contadas. Esgotamos nossa capacidade de imaginação, pode conferir. Já na Bíblia conseguimos juntar muita coisa: religião, violência, sexo, traição, reviravoltas e até ressureição. Daí pra frente,  só enrolação. É muito difícil achar algo novo a ser narrado. É por isso que o cinema está fazendo filmes sobre quadrinhos, sobre seriados de TV. É por isso que o que vende hoje são os livros de autoajuda. Para que contar mais histórias?

Assim é, de fato, como eu ando sentindo o mundo. Um lugar de repetições, de lenga-lenga, de tragédias (na primeira vez) e farsas (na segunda). Até que terminei de ler “O som e a fúria”, de William Faulkner. Veja bem, o romance foi escrito em 1929, mas Faulkner não leva vantagem alguma. Já em sua época não havia mais sobre o que falar. Sem a internet ficava difícil constatar isso, mas era realidade.

Faulkner não reinventou a roda. Nem Quixote. Nem o livro de areia. O enredo de “O som e a fúria” poderia ter sido tecido por qualquer romancista de boteco que gosta de pagar o triplo do preço por uma porção de mandioca seca demais. O que acontece no livro é difícil de descrever, pois depende muito pouco das ações que de fato são narradas. O importante é como os fatos são contados e pensados. Ao invés de criar uma história, um narrador e personagens, o autor escreveu quatro livros que se interligam intimamente, porém são escritos em quatro estilos completamente distintos. Há ecos das mesmas visões em todas as partes, claro. Surpreende, porém, o quanto é fácil se deixar levar por cada uma dessas vozes e partilhar seu ponto de vista. Uma traz agonia, outra, dúvidas, a terceira, uma raiva sem fim, e há também a frieza da quarta voz.

E assim se conta a história de uma família no Sul dos Estados Unidos, despedaçada por segredos, preconceitos e a demência de um dos irmãos. Ele, aliás, é um dos narradores. Quase inconsciente de sua existência, mistura tudo numa só torrente de palavras: o passado, o futuro, pessoas que morreram, que foram embora e sua profunda incompreensão de tudo.

“O som e a fúria” está longe de ser um livro fácil. Como recorre muito à imersão psicológica, muitas vezes não se sabe muito bem o que está sendo dito ou pensado, não se pode distinguir desejo de ação. E é essa a virtude principal do mais famoso livro de William Faulkner. Há uma história sendo contada. Há uma trama. E isso está longe de ser o essencial. Pensemos em “como” e não em “o quê”. A exuberância do que Faulkner escreve está em sua capacidade de tornar algo que é repetitivo, insosso ou, por que não, um clichê, num magistral exercício de perspectiva.

Pode-se contar um milhão de histórias, escrever um milhão de linhas sobre alguém ou algo e não será o suficiente para que todo esse volume de suposta imaginação fique esquecido para sempre. O olhar escolhido é sempre o mais importante no fim. A imortalidade de “O som e a fúria” há que isso é verdade.

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